quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Falando a Mesma Língua


Nos tempos atuais, de conexão virtual contínua facilitada, incentivada e, por vezes, imposta por uma sociedade ávida por notícias, fofocas e novidades em redes sociais, conseguir se comunicar com pessoas em outro idioma deixou de ser um obstáculo quase intransponível, que só poderia ser superado com ao menos alguns meses de estudo árduo.
Falar a mesma língua, no entanto, continua sendo um problema insolúvel para a esmagadora maioria da população mundial, ilhadas em seu idioma nativo.
Essa dificuldade acompanha a humanidade desde o início da comunicação verbal, diante do isolamento territorial entre as diferentes comunidades, que criou e modificou os primeiros dialetos moldando e estruturando diversos idiomas no decorrer da história, muitos já extintos, mas que deixaram um legado importante para as línguas sucessoras.
A consolidação de algumas línguas gerou a necessidade do registro gráfico para o controle administrativo e propagação de suas regras.
Esses registros inicialmente representavam conceitos e seus símbolos denominam-se ideogramas, uma aplicação com técnica e critérios, como o registro puro e simples da mão, de um animal ou de uma cena cotidiana.
O alfabeto é o resultado da evolução dos registros através de grafemas que representam fonemas, em vários padrões (latino, grego, cirílico, etc.), interpretado de maneiras diferentes nas diferentes regiões, que por sua vez são evoluções de escritas não alfabéticas (árabe, hebraica, etíope, egípcia, chinesa, etc.), muitas delas ainda em uso.
Se a simples tentativa de relacionar as características ou apontar os principais idiomas utilizados atualmente já é uma tarefa difícil, dominar minimamente uma fração deles é privilégio de poucos com talento ou dom para essa finalidade.
Na tentativa de superar a barreira da comunicação, várias iniciativas foram implementadas e algumas ganharam notoriedade, sendo a Lingua Ignota, criada no século XII a mais antiga conhecida, formada pela compilação de palavras de vários idiomas, sem repercussão nem certeza da finalidade da sua criação.
O Solresol, de Jean-François Sudre, criado em 1817, era uma língua auxiliar que tinha como elementos básicos as sete notas musicais, de modo que as palavras e suas classes seriam formadas através da adequada combinação das notas musicais.
O Volapuque, cujo significado literal é língua mundial, foi criado pelo padre Johann Martin Schleyer em 1880, segundo ele por desígnio divino, que utilizava a estrutura do Alemão. Na mesma época surgiram várias novas línguas auxiliares, como o Latino Sine Flexione, proposta pelo matemático italiano Guiseppe Peano em 1903, evoluída para Intelíngua de Peano, atualizado pela última vez em 1951, por Alexander Gode, mantendo o nome Interlíngua.
O médico Judeu Ludwik Lejzer Zamenhof publicou o primeiro livro sobre Esperanto em 1887, em russo, contendo as 16 regras gramaticais do idioma que desenvolveu para um aprendizado fácil, que servisse como língua franca internacional. O Esperanto tornou-se bastante popular no início do século XX, a ponto de seus falantes tornarem-se alvo do nazismo durante a segunda guerra mundial.
O Ido surgiu em 1907 com a proposta de minimizar as falhas de propagação constatadas no Esperanto, que a distanciava do conceito de língua fácil de aprender. I.D.O. tem origem no acrônimo de Idiomo di Omni (idioma de todos) ou no sufixo '-ido' da palavra esperantido, que literalmente significa “descendente do esperanto”.
Muitos outros projetos de reforma apareceram depois do Ido, além das variações Esperantido, o Antido I e II e o Nov-Esperanto, como o Interlingue e o Novial que ficaram praticamente restritos à publicação de seus respectivos projetos. Atualmente, o Ido, junto com o Esperanto e Interlingua, são as únicas línguas auxiliares com algum peso na literatura e com uma base relativamente grande de falantes.
O Esperanto é o idioma planificado mais bem-sucedido até o momento, com milhares de artigos e centenas de músicas e livros. Apesar disso, não corresponde aos critérios de língua auxiliar idealizados por Zamenhof, mas, segundo o Professor Alfredo Maceira Rodríguez, possui todas as condições de ser a interlíngua da atualidade e sua necessidade é cada vez mais premente, devido à internacionalização por meio dos modernos meios de comunicação.
Costumam ser chamadas línguas artificiais as interlínguas fundamentadas na lógica e na filosofia. Porém grande parte das interlínguas aproveitam o acervo de uma ou mais línguas naturais e utilizam seus elementos (fonemas, morfemas, itens lexicais, processos de derivação e composição, etc.), construindo com eles a nova língua. Surgem assim interlínguas que, a rigor, não podem ser chamadas artificiais porque pouco se afastam das línguas naturais. Estas também estão organizadas estruturalmente, embora estejam longe das regularidades das línguas planejadas. Vemos, então, que existem vários tipos de interlínguas: umas que reduzem a comunicação linguística ao raciocínio lógico e filosófico (seriam as mais artificiais de todas); outras que se limitam à simplificação de uma língua natural (seriam as menos artificiais) e ainda outras que, embora cientificamente planejadas, se utilizam de material linguístico e da experiência de funcionalidade de línguas bem conhecidas. Estas seriam parcialmente artificiais, seguindo o critério dominante no universo da Ciência da Linguagem. É aqui que se encontram as principais interlínguas.
A Adoção de idiomas artificiais como lingua franca (ou língua de contato) pode ocorrer por interesse cultural, mas normalmente uma língua natural é escolhida por interesse econômico ou por imposição política.
No Império Romano e no milênio seguinte a lingua franca foi o grego no oriente e o Latim no ocidente. O português foi utilizado na África e Ásia nos séculos XV e XVI. O francês serviu em seguida, sendo a língua da diplomacia na Europa a partir do século XVII. Na maior parte da Ásia, África e partes da Oceania e Europa o árabe é utilizado desde as Filipinas até o Senegal desde o século VII. O alemão foi adotado em grande parte da Europa durante os séculos XIX e XX.
Em outras regiões do mundo, outras línguas têm o papel de lingua franca: KiSwahili na África oriental, russo nas regiões da antiga União Soviética, Hindi (junto com o inglês) na Índia, Urdu no Paquistão (também junto com o inglês), malaio no sudeste asiático, Bislama nas ilhas do Pacífico, o árabe (falado por 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo e muito utilizado ainda no comércio) e várias línguas crioulas em outros lugares e épocas.
O Chinês Mandarim também tem a função de prover uma língua falada comum entre os chineses que falam diversos dialetos ininteligíveis entre si.
O inglês é a lingua franca atual no mundo dos negócios internacionais no ocidente e na diplomacia e é também o idioma mais estudado do mundo, com larga vantagem para o segundo colocado, o alemão.
A liderança do inglês como lingua franca ocorre de interesses combinados, provocados por fatores comerciais e culturais, estimulados e desenvolvidos pelos Estados Unidos da América através do cinema, música, produtos e programas de informática. No entanto, o baixo índice de fluência é um aspecto pouco difundido, fazendo do idioma mais estudado ser também o menos aprendido. A falta de fluência ou mesmo a incapacidade de se comunicar em inglês, de certa forma é amenizada pela compreensão do refrão de uma música, do jargão utilizado pelo artista principal do filme/seriado ou pela complementação da leitura de um manual de instalação qualquer, abundantes no cotidiano das pessoas.
Uma análise simples das informações aqui expostas nos permite chegar a várias conclusões igualmente simples, mas fundamentais para avaliar os modelos apresentados, identificar pontos fortes e fracos daqueles que se destacaram e, livre das barreiras naturais e pragmáticas que combinam estereótipos e preconceitos com elementos socioculturais e suas ramificações, seja possível delinear o panorama futuro desejado e definitivo para a comunicação mundial num prazo relativamente pequeno, quais sejam:
* As inúmeras tentativas para se estabelecer uma língua auxiliar útil e viável em si nos revela o desejo latente da comunicação universal simples, intuitiva e prazerosa.
* Os projetos com excessiva rigidez estrutural ou dependentes do seu idealizador ou de um pequeno grupo regionalizado tendem a ser rejeitados ou desmembrados.
* O aprendizado de qualquer idioma esbarra inicialmente na interface de apresentação, construção e pronúncia. Quanto mais próximo do idioma próprio, mais fácil.
* A exposição a outro idioma reduz a resistência pessoal involuntária e gera inicialmente um pseudoconhecimento funcional que favorece o aprendizado futuro.
* O desenvolvimento de um idioma planificado necessariamente deve considerar a atual e crescente interação eletrônica.
Obviamente não pretendemos propor nenhum novo modelo ou variação de língua auxiliar, mas tão somente reacender a discussão sobre o assunto e, quiçá, semear uma solução para o tão sonhado idioma universal fácil, inclusivo e útil.
Apenas como referência, o ponto de partida do debate será a proposta de língua auxiliar mais bem-sucedida até este momento: o Esperanto.
A história do Esperanto é tão interessante quanto a do seu idealizador, Ludwik Lejzer Zamenhof, que nasceu e viveu na cidade de Białystok, na época pertencente ao Império Russo, atualmente na Polônia, que devido à sua localização, com relevância histórica, política, industrial e acadêmica, reunia pessoas de diversas origens que falavam várias línguas, gerando todo tipo de dificuldade entre seus moradores, inclusive em situações cotidianas.
Zamenhof criou a primeira versão da lingwe universala ainda na adolescência, sendo desestimulado e até sabotado pelo seu pai, que queimou todos os seus manuscritos enquanto foi estudar medicina em Moscou. Ele então reescreveu e aprimorou seu projeto original, lançando o primeiro livro, em russo, intitulado Unua Libro, em 1887, sob o pseudônimo Doktoro Esperanto. O nome do idioma proposto por Zamenhof recebeu o nome de Esperanto mais tarde, a partir do pseudônimo utilizado por ele.
Tão interessante quanto a história do Esperanto são seus fundamentos, baseados em 16 regras básicas, que embora simples dependem de algum estudo para um aprendizado satisfatório. As palavras são formadas pela junção direta de radicais (prefixos, sufixos e outros), possibilitando a criação instantânea de novas palavras, compreendidas trivialmente através da análise morfológica.
O Esperanto tem cinco vogais e 23 consoantes, das quais duas são semivogais. Não há tons. A sílaba tônica é sempre a penúltima (paroxítona). A gramática, construção das palavras, classes gramaticais, plural, tempo verbal e particípio estão descritos nas regras básicas do Esperanto, disponíveis em abundância na internet, cuja leitura atenta já é suficiente para entender sua estrutura e fundamentos gerais, estimulando os mais curiosos a se aprofundar no assunto.
Mas se é tão simples e interessante assim, porque o número de falantes fluentes, estimado entre 100 mil e 2 milhões (1996), é tão baixo? Opinião do compilador deste texto: O Esperanto é eslavo demais!
A pronúncia das consoantes sofreu uma forte influência das línguas nativas dos primeiros falantes, principalmente russo, polonês, alemão e francês. As cinco vogais deixam de fora as variações “Ô, “É” e “Ó”.
A relação entre grafemas e fonemas, que deveria ser biunívoca, ou seja, uma letra para cada som e um som para cada letra, sofre vários revezes em relação às consoantes, que são especiais ou cirílicas. Para serem escritas no alfabeto latino, necessitam do uso de diacríticos (acentos). Algumas consoantes possuem som de outras consoantes combinadas. O plural é escrito com a desinência “j” ao final de substantivos e adjetivos, que tem som de “i” (semivogal).
Para nós, ocidentais, é uma língua diferente, com alfabeto diferente e pronúncia diferente, com regras simples e frases com estrutura latina. As vantagens propaladas são eclipsadas pela aparência e pronúncia estranhas para nós.
Na opinião deste compilador, o alfabeto adotado deve possuir até 30 letras, com 8 vogais naturais, sem acento, e com consoantes exclusivas sem sons sobrepostos, talvez mantendo o “h” como representação gráfica para pequenas variações das consoantes naturais para representar a diferença de pronúncia em outros idiomas, que neste trabalho chamaremos de alfabeto biunívoco.
O alfabeto biunívoco seria a base de um novo idioma, desenvolvido estritamente com critérios técnicos sonoros e linguísticos, que apenas por referência ao alfabeto, chamaremos de idioma biunívoco.
Por inovação, o alfabeto biunívoco permitiria escrever qualquer texto em qualquer língua, ainda que eventualmente sem a pronúncia exata, porém o mais similar possível, sem o uso de semivogais, substituindo por composição ou combinação o alfabeto fonético internacional, definido e revisado pela Associação Fonética Internacional.
A princípio, as novas vogais tomariam os lugares das consoantes que podem ser pronunciados por outras letras, como o “Q”, “W”, “Y”, “C” e “Ç”.
Por outro lado, talvez se faça necessário acrescentar algumas consoantes que, pelo uso frequente, mereçam uma letra própria no alfabeto, evitando a combinação ou composição de outras letras, como é o caso do “R” em “ARARA” e “RATO”. O “R” poderia adotar, pela proximidade no teclado, o espaço (e inicialmente a forma) do “Y”.
Na mesma linha de raciocínio, o “É” adotaria o espaço do “W”, o “Ô do “Q” e o “Ó” do “Ç”, mantendo-se a estrutura e a posição básica das letras no teclado atual, conhecido como QWERTY (por causa das seis primeiras letras na fileira superior, na mão esquerda), proposto pelo impressor estadunidense Christopher Latham Sholes, inventor da primeira máquina de escrever (1868), que aprimorou o dispositivo mecânico de escrita atribuída ao padre brasileiro Francisco João de Azevedo.
Portanto, o alfabeto biunívoco poderia ter mais ou menos a seguinte sequência e pronúncia aproximada: A [Á]; Q [Ã]; B [BÊ], D [DÊ], E [Ê]; W [É]; F [FÊ]; G [GÊ, lê-se GUÊ]; H [AGÁ ou outro nome, sem som próprio, usado para fazer variações nas demais consoantes]; I [I]; J [JÊ]; K [KÊ]; L [LÊ]; M [MÊ]; N [NÊ]; O [Ô]; Ç [Ó]; P [PÊ]; R [RÊ, como em REI]; Y [rÊ, como em AREIA]; S [SÊ]; T [TÊ]; U [U]; V [VÊ]; X [XÊ] e Z [ZÊ]. O “H”, portanto, serviria apenas para adaptar consoantes dos diversos idiomas existentes ao idioma biunívoco, que a princípio não utilizaria essa letra. Nos alfabetos que não possuem o “Ç”, será criada ou adaptada uma letra que o substitua.
Desta forma, “EU TE WMO”, “AI LÇV IU”, “DJO TE AMO”, “JE TAM”, “IA LIUBLIU TEBIA” e “UATAXI UA ANATA O AIXITE” poderiam conviver em harmonia sob o mesmo alfabeto, reforçando a unicidade e o caráter biunívoco deste. Do mesmo modo como acontece hoje nos idiomas naturais ou étnicos, a “leitura” local será adaptada aos regionalismos locais.
Por esse motivo que o novo idioma biunívoco deve ser desenvolvido para receber com complacência e bom humor falantes de todos os idiomas, diminuindo a resistência e estimulando aprendizes de todos os níveis, inclusive pessoas com dificuldades cognitivas.
Adaptações como “NINHO” [niño], DHEM [them], THOMB [thumb] seriam simples e corriqueiras.
Passado o prazo de adaptação, as grafias emprestadas das letras extintas poderiam ganhar formas próprias e as letras suprimidas seriam funções das teclas originais, para transcrever textos em outros idiomas nativos.
Os radicais das palavras do idioma biunívoco seriam formados ou escolhidos segundo sua pronúncia e frequência de uso, favorecendo a leitura, interpretação e reprodução humana e eletrônica, esta última cada vez mais comum e necessária. Atualmente o levantamento estatístico é fortemente favorecido pelo intenso uso da internet e deve ser aplicado à exaustão para os melhores resultados de comunicação combinada entre falantes nativos, estrangeiros e máquinas.
A questão numérica seria reduzida às regras simples e sem exceções já trabalhado pelo Esperanto e pelo Ido, de forma que se, hipoteticamente, os nomes dos números escolhidos para as unidades fossem "UNO, DUO, TRE, FÇYE, FAVE, SIKI, SWTE, ÇTO, NÇVE, ZWYO”, para as dezenas “TWNE” e para as centenas “SENTO”, o algarismo “479” seria descrito como “FÇYE SENTO SWTE TWNE NÇVE”.
Todas as sugestões acima não passam de conjecturas e necessariamente devem ser avaliadas por especialistas para eventualmente serem corroboradas, complementadas ou modificadas.
Os especialistas citados seriam linguistas, lexicógrafos; gramáticos, especialmente os envolvidos com os grandes tradutores eletrônicos mundiais, que convivem com os problemas relacionados com a geolinguística e o efeito da variação espacial ou diatópica (fônicas, morfossintáticas e léxico-semânticas), na tradução e pronúncia entre os idiomas existentes.
Este esboço é uma nova tentativa de resgatar o antigo sonho coletivo de possibilitar a todas as pessoas do mundo uma comunicação intuitiva, simples, prática e eficiente, que seja complacente com os sotaques da língua natural de cada indivíduo.
O efeito sinergético da combinação da simplicidade, intuitividade e ausência de exceções geraria o ambiente perfeito para associações intelectuais mundiais em todos os níveis, favorecidos por uma interface simpática e convidativa, constituída de aparência, sonoridade, estrutura e regras de fácil aprendizado e aplicação individual, favorecido pelos diversos meios midiáticos e eletrônicos disponíveis.
A ausência de relação direta com regiões, países ou culturas específicas demarcará o aspecto internacional do idioma, bem como refutará resistências ideológicas, levando à globalização plena, na qual os aspecto comercial será apenas mais um fator favorecido.
Esta singela sugestão destina-se às próximas gerações e não objetiva nenhum ganho financeiro para qualquer grupo ou indivíduo.

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